Imagina sentir sede e não poder tomar água o suficiente para saciar-se? Essa é a realidade de Maynara Silva Santos, de 25 anos, que só pode ingerir 500 ml de líquido entre uma hemodiálise e outra. As sessões são realizadas às terças, quintas e sábados no Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul/PR, cidade em que mora. Há 4 anos ela realiza o tratamento e há 3 está na fila de espera por um transplante renal. Diagnosticada com refluxo urinário, ela se viu obrigada a ajustar sua rotina e, principalmente, a sua forma de lidar com o tempo. Mesmo assim, ela mantém a esperança de dias melhores.
Nos três dias da semana em que vai ao hospital, Maynara passa, em média, quatro horas conectada à máquina que substitui o trabalho dos seus rins. O procedimento é necessário para filtrar o sangue e retirar as toxinas acumuladas que o órgão não consegue mais eliminar. Acostumada com uma rotina agitada de trabalho e estudo, ela precisou interromper os sonhos para cuidar da saúde. “Foi um baque! Eu fiquei meio depressiva no começo porque eu larguei meu trabalho, larguei a faculdade, larguei tudo. Eu era de sair bastante. Saia para balada, agora quase não saio porque não tenho muita disposição, a hemodiálise deixa a gente bem cansada”, conta Maynara.
Segundo Giorgio Sfredo Bertuzzo, médico nefrologista do Hospital Angelina Caron, a hemodiálise é uma terapia de substituição renal, que faz o que os rins não têm mais capacidade de fazer. Além dela, outros procedimentos podem ajudar a melhorar a qualidade de vida. “Se o paciente apresenta indicação de terapia substitutiva, podemos oferecer três alternativas de tratamento: a hemodiálise, a diálise peritoneal (terapia realizada pelo próprio paciente em seu domicílio) e a melhor de todas que é o transplante renal. Em relação à tecnologia, a cada ano as máquinas de hemodiálise se tornam melhores e mais seguras, oferecendo melhor tratamento e segurança. O desafio maior para os pacientes é em relação à mudança no estilo de vida e na alimentação”, destaca.
Mesmo com as limitações impostas pela hemodiálise, Maynara busca estar sempre ativa. “Eu estou só entre hospital e casa. Nos dias livres, eu tento me cuidar ao máximo, ficar proativa um pouco, porque senão a gente vai debilitando. Estou cuidando da alimentação, fazendo umas caminhadas”, explica.
Mitos envolvendo a hemodiálise
Apesar da melhoria na qualidade da hemodiálise ao longo dos anos, os pacientes em tratamento têm risco aumentado em relação a população geral de desenvolver doenças cardiovasculares, que são as principais complicações apresentadas, além de maior probabilidade de desenvolver quadros infecciosos. Diante desse cenário, é importante buscar informações corretas sobre o tratamento.
Giorgio destaca alguns dos principais mitos que precisa lidar no dia a dia. “A hemodiálise não melhora o funcionamento do rim, mas substitui. Muitos pacientes entendem que quando entram na hemodiálise seus rins voltarão a funcionar, o que não é correto. O segundo é que muitos acham que é o fim de sua vida, o que também não é verdade. Pensamos sempre na melhoria da qualidade de vida do paciente e sempre em possibilidade de transplante, para que tenham a vida o mais próximo possível da família e suas atividades normais. Outro ponto a esclarecer: os pacientes podem sim realizar atividades físicas e laborais normalmente, sem restrições (claro, respeitando cada caso e particularidade)”, explica.
Maynara também está focada em combater a desinformação. Para ela, quanto mais pessoas souberem como funciona a hemodiálise, melhor. “Eu tive um susto muito grande porque eu nem sabia o que era hemodiálise, tanto que eu tento explicar o máximo que eu posso o que é para quem chega aqui. Se você se cuidar dá para ter uma qualidade de vida. Não pode se desesperar também”, reforça.
A importância do transplante
O transplante renal é uma das formas mais eficazes de tratamento para pacientes com insuficiência renal. No Brasil, o procedimento tem se consolidado como uma solução fundamental, e a crescente taxa de doações e transplantes realizados reflete os avanços nessa área da medicina.
De acordo com a Associação Brasileira de Transplante Órgãos (ABTO), mais de 66 mil pessoas aguardam por transplantes no Brasil. O Paraná é líder nacional em doações e procedimentos. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, de janeiro a setembro de 2024, o estado atingiu uma taxa de 42,8 doações por milhão de população (pmp). O número é mais que o dobro da média nacional, de 20,3 pmp. O relatório também mostra que o Paraná teve a menor taxa de recusa familiar do país, somando apenas 27%.
O médico do Hospital Angelina Caron está otimista com o cenário. “O Brasil hoje é o terceiro maior transplantador renal do mundo. Em números absolutos, estamos atrás dos Estados Unidos e Índia. Além disso, temos o maior sistema público de transplantes do mundo. Mas, ainda sim, precisamos melhorar, porque é possível. E a perspectiva é otimista. Precisamos investir mais em educação da população, treinamento das equipes intra-hospitalares para abordagem da família e reconhecimento de potenciais doadores”, destaca Giorgio.
Uma luta contínua
A espera, a hemodiálise e o sonho do transplante não diminuem a força de Maynara. Ela segue sua jornada, vivendo um dia de cada vez, com esperança, coragem e muito amor pelo que ainda pode conquistar. Ela aprendeu a lidar com a ansiedade e com a dor, e, mais do que isso, se reinventa a cada dia. “Com o tempo, a gente vê que dá para viver normal, que é só cumprir esse horário aqui na hemodiálise. Agora sim, depois de quatro anos que eu estou me ligando nisso. Eu vi que dá para ter uma qualidade de vida. E como eu sou nova, eu não posso desistir de tudo. Eu queria estudar nutrição e encerrei isso porque no começo eu desisti de tudo. Mas agora eu penso em voltar”, conta.
Embora saiba da complexidade do transplante, desde encontrar um doador compatível até a recuperação pós-cirurgia, a jovem de 25 anos segue firme e esperançosa. “O doutor me explicou mais ou menos que o meu tipo sanguíneo (O+) é meio difícil. Mas eu estou na esperança de conseguir. Conseguir o transplante é minha maior meta”, finaliza.