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Leituras afetivas: cinco livros por Márwio Câmara

O Sesc Paraná conversou com o escritor e jornalista carioca Márwio Câmara, que compartilhou algumas das suas leituras afetivas. São obras que ajudaram a moldá-lo como leitor e, claro, como escritor.

Leia abaixo as cinco indicações literárias de Márwio Câmera

Os livros, aqui citados, foram e são como encontros marcados que jamais deixarão de ser esquecidos por mim, até porque muito do que entendo hoje por literatura e do meu posicionamento diante do fazer literário se refletem em grande parte neles. Até mesmo quanto à vontade de trabalhar com a escrita de ficção. Alguns títulos ficarão de fora, infelizmente, por uma questão de espaço. Seguirei uma pequena ordem cronológica análoga às minhas recordações.

Reinações de Narizinho – Monteiro Lobato

Durante toda a minha infância, recriei as histórias do Sítio do Picapau Amarelo nos cadernos que meu pai comprava no intuito de seu filho, no caso, eu, escrever. E o livro que mais povoou a minha mente durante anos, sobretudo pelo encanto daquelas histórias e ilustrações que faziam parte do livro de mamãe, editado, entre os anos 50 e 60, pela Brasiliense, foi o Reinações de Narizinho.

Uma obra mágica, sedutora e inominável. Aquela orquestração tão abrasileirada do mundo interiorano de Lobato, ao mesmo tempo extremamente moderno, em que crianças tinham contato com figuras fantásticas do Reino das Águas Claras, além dos bichos da mata e da fazenda de Dona Benta, sem falar das personagens dos contos de fadas. Pensava na boneca Emília, no Visconde de Sabugosa, no Marquês de Rabicó, no Príncipe Escamado e até mesmo da malvada dona Baratinha, louca pelo sumiço do Pequeno Polegar. Monteiro Lobato é, sem dúvida, o meu padrinho das letras. Até hoje seus livros me provocam sensações díspares, avivando a criança interior, ainda muito presente dentro de mim.

A Moreninha – Joaquim Manuel de Macedo

A Ilha de… (possivelmente, de Paquetá), a festa do feriado de Sant’Ana, na casa de dona Ana, as aventuras (ou apuros) de Augusto e de seus amigos estudantes, além do encontro com dona Carolina, a travessa moreninha do título do livro. Li a obra na pré-adolescência em dois ou três dias, completamente envolvido com toda aquela atmosfera do Rio de Janeiro da primeira metade do século 19. Um livro de espírito jovem e cheio de humor. Foi o primeiro sucesso de Macedo e da prosa romântica brasileira. Algo realmente importante a se pensar. Acho o romance uma graça, de uma beleza ímpar. Fui há poucos anos na Ilha de Paquetá e a sensação que tive foi de estar dentro do livro de Macedo. Uma pena que o autor não é tão agraciado à altura que deveria nos dias de hoje, embora ainda seja estudado nos livros de literatura, o que é um alívio. Há um erro na crítica literária do nosso país ao colocar Macedo como um escritor menor e de entretenimento. Ele é um mestre, que contribuiu, e muito, para o romance romântico brasileiro.

Romance negro e outras histórias – Rubem Fonseca

O primeiro contato que tive com o texto de Rubem Fonseca foi através da leitura do conto de Feliz Ano Novo, durante as aulas de Língua Portuguesa, na faculdade de Jornalismo. Foi um tremendo susto! Mas o primeiro livro que comprei do autor e li, posterior, foi Romance negro e outras histórias. Sabia que estava diante de uma grande obra. A técnica literária e os múltiplos estilos do prosador em contos extremamente bem construídos e arrojados colocavam-me ávido para continuar seguindo as páginas. A literatura do Rubem Fonseca é um mundo! Sempre ilustrado com personagens estranhos, marginais e misteriosos, porém extremamente sedutores. Aquele primeiro conto do livro, que se chama “A Arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, é uma das melhores coisas já escritas em termos de prosa brasileira das últimas décadas. Além do enredo genial, a pesquisa do autor sobre os diferentes nomes que foram dados aos endereços que compõe o  labirinto de ruas do centro do Rio, além do próprio mapeamento da cidade, concatenado com minúcia dentro da narrativa, é uma coisa grandiosíssima e de nos deixar atônitos. Fora o próprio conto que dá título ao livro: aquelas cenas cinematográficas e o seu clima noir, uma homenagem ao Edgar Allan Poe, se eu não estou enganado. Rubem Fonseca será sempre um dos maiores mestres do conto brasileiro.

A Paixão segundo G.H. – Clarice Lispector

Meu início com Clarice não foi dos mais satisfatórios. Comecei lendo uma crônica chamada “Por não estarem distraídos” seguido do livro Laços de família. Não conseguia nem por nada me conectar em suas narrativas. Era como se eu não conseguisse acessar a língua estranha de Clarice, tão particular. Mas quando minha professora de Teoria Literária citou A Hora da estrela em uma de suas aulas, corri atrás do livro na biblioteca da faculdade. Logo nas primeiras linhas, o espanto e uma surpresa recompensadora. Finalmente, passei a me conectar com a escrita única de Clarice. Pouquíssimo tempo depois, na mesma biblioteca, li A Paixão segundo GH. A leitura soou-me como uma espécie de transe. Eu me deparava com uma coisa estranhíssima, mas que me fez todo o sentido naquele momento. Fiquei absurdamente louco com aquela escrita voltada ao plano do pensamento. Observava que ela escrevia de uma forma que, até aquele momento, nunca tinha visto nenhum outro prosador escrever. Eu não tinha ideia de que se podia escrever daquela maneira. Eu me encontrei lendo Clarice, além de ter conhecido outros grandes autores a partir dela, como: James Joyce, Lúcio Cardoso, Caio Fernando Abreu, Virginia Woolf e Katherine Mansfield.

Triângulo das águas – Caio Fernando Abreu

Com Caio, comecei lendo Morangos Mofados, um ótimo livro, talvez um dos seus mais conhecidos, mas foi com Triângulo das águas que dei-me conta da grandeza do autor. Li o livro durante as minhas viagens de trem, no período da noite, indo e voltando da faculdade. Dodecaedro e Marinheiro são novelas que até hoje me espantam pela qualidade literária e pelas sensações estranhas que ambos os textos me provocam, sobretudo Marinheiro, com aquelas cenas oníricas que sempre ambicionei escrever algo parecido. Depois de quase dez anos, voltei a ler algumas linhas da obra e as sensações da primeira leitura permanecem.

E se o espaço me permitir, deixarei as minhas menções honrosas para Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke, além de Dublinenses e Ulysses, de James Joyce.

Sobre Márwio Câmara

Márwio Câmara nasceu no Rio de Janeiro, em 1989. É bacharel em Comunicação, licenciado em Letras e pós-graduado em Estudos linguísticos e literários. Assina entrevistas com escritores brasileiros para o Jornal Rascunho. Idealizador do blog literário The Quarentena. Leciona Língua Portuguesa, Literatura e Produção Textual. Autor do livro Solidão e outras companhias.