Luiz Felipe Leprevost é um artista versátil: capaz de navegar pela ficção e pela poesia, pelos textos teatrais e pelas canções, além de desenvolver um trabalho, cada vez mais relevante como ator e diretor de teatro.
Leprevost conversou com o Sesc Paraná e compartilhou cinco leituras essenciais na sua formação como leitor e como escritor.
Leia abaixo as cinco indicações literárias de Luiz Felipe Leprevost
A Fúria do corpo – João Gilberto Noll
Olhei a prateleira e escolhi rapidamente, com o coração, sem pensar muito. Se eu racionalizasse, a escolha beiraria o impossível. Entre as cinco referências, pelo menos três estão atravessadas pela minha vivência no teatro. É o caso de A Fúria do corpo, de João Gilberto Noll. A edição que tenho é de 1981 (editora Record). Trata-se do primeiro romance de Noll. A linguagem é excessiva e visceral, o sexo é o que mais move. O livro me chegou pelas mãos de Isaac Bernat, na época meu professor de interpretação no curso de artes cênicas. Alguns anos antes, Isaac esteve próximo de fazer a adaptação teatral da obra. O autor já havia inclusive autorizado. Mas a montagem não se realizou. Quando o livro veio para mim, veio também o antigo sonho. Quatro anos atrás tentei adaptar a obra, mas não consegui. Isso está desencantado, em algum momento, acredito, encantaremos.
Esperando Godot – Samuel Beckett
Na escola de teatro, nossa professora e diretora Celina Sodré, trouxe-nos a informação de que montaríamos Esperando Godot. Embora eu já tivesse lido a peça, “fazer” o texto era algo totalmente diferente. É um outro modo de ler, que nos exige tirar o texto do papel e colocar no corpo. Esta prática indesviável para os atores, me fez entender que, de modo geral (dentro e fora do teatro), é a maneira de leitura que mais me interessa, a que pede a implicação do corpo. Na montagem eu fazia o Lucky e “dada a existência tal como se depreende dos recentes trabalhos públicos de Poinçon e Wattmann de um Deus pessoal quaquaquaqua…”.
Cartas de um sedutor – Hilda Hilst
Fui assistir um monólogo chamado Osmo. O ator em cena era o Lourinelson Vladmir. Embora eu não tenha entendido o texto por via racional na hora da peça, ele sem dúvida ganhou espaço a acoplamentos em mim. Ali tive pela primeira vez contato com a obra de Hilda Hilst. Nos dias seguintes, fui atrás dos livros dela e comprei o FLUXO-FLOEMA. Neste livro estava, entre outras prosas, Osmo. Foi assim que comecei a ler Hilda Hilst. Naturalmente, cheguei em Cartas de um sedutor, Contos d´escárnio / Textos Grotescos e O caderno rosa de Lori Lamby. A Hilda torceu minha mente e meu corpo para tudo que é lado. Então as coisas consideradas mais baixas podiam aparecer misturadas com as mais elevadas? O metafísica e o mundano, o divino e o porco.
Trilogia suja de Havana –Pedro Juan Gutiérrez
Num primeiro momento foi o sexo que me aproximou da Trilogia de Havana. Fui fisgado por aquele antológico fragmento colocado na quarta capa que dizia: “Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é. Se é só ternura e espiritualidade etérea, reduz-se a uma paródia estéril do que poderia ser. Nada.” É claro que, ao longo da leitura, eu perceberia o mapeamento sócio-político e histórico que o livro, desde dentro e de baixo, fazia sobre uma Cuba em crise. O estilo de Pedro Juan, cru e poético ao mesmo tempo, me marcaram para sempre.
Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda) – Manoel de Barros
Volume publicado em 1996 pela editora Civilização Brasileira. É a reunião de nove livros de Manoel. Conta com ilustrações de Poty Lazzarotto. Ao final, traz a compilação de uma série de entrevistas com o autor. Manoel abriu a minha sensibilidade para um uso da linguagem tão outro que, antes dele, eu não imaginava possível. Suas entrevistas me mostraram a cosmovisão do poeta. O livro que a natureza é, o livro que as coisas são. Quantas línguas há dentro da língua brasileira. Como a poesia pode, e deve, fabricar semânticas. Como modificar a língua é modificar o nosso existir. A experiência objetiva de, pela linguagem, aumentar o mundo.
Sobre Luiz Felipe Leprevost
Luiz Felipe Leprevost nasceu em 1979, Curitiba – PR. Bacharel em artes cênicas, pela CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), é escritor e ator. Publicou os romances Dias Nublados (Arte & Letra, 2015) e E se contorce igual a um dragãozinho ferido (Arte & Letra, 2011). Os contos de Inverno dentro dos tímpanos (Kafka Edições, 2008), Barras antipânico e barrinha de cereal (Ed. Medusa, 2009), Manual de putz sem pesares (Ed. Medusa, 2011) e Salvar os pássaros (Encrenca, 2013). Também os livros de poemas Tudo urge no meu estar tranquilo (Encrenca, 2017), Uma resposta difícil (Arte & Letra, 2019) e O poeta queima voluntariamente (Arte & Letra, 2020). Trabalhou como ator nas montagens de Hamlet e Angels in America, ambas da Armazém Companhia de Teatro. Faz parte do elenco da peça TodoMundo, montagem de 2019/2020, do Teatro de Comédia do Paraná, com direção de Rodrigo Portella.