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Literatura em casa
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Leituras afetivas: cinco livros por Jaqueline Conte

Ler é compartilhar leituras e experiências literárias. Pensando nisso, o Sesc Paraná convidou escritores e escritoras para que partilhem suas leituras afetivas, ou seja, aqueles livros que ajudaram a moldá-los como leitores e também como autores de suas próprias obras.

Hoje, quem nos apresenta alguns dos seus livros favoritos é a escritora Jaqueline Conte.

Leia abaixo as cinco indicações literária de Jaqueline Conte

Fazer listas é sempre apunhalar amores. Mas essa provocação do Sesc Paraná me levou a um exercício que possibilitou reunir alguns importantes afetos, alguns antigos, outros mais recentes, que me inspiram enquanto pessoa e escritora. Trago deles uma frase ou um pequeno trecho, para que falem por si.

Poesia Completa – Manoel de Barros

Amo Manoel e já tive muitos livros dele em separado: “Meu Quintal é maior do que o mundo”, “Memórias inventadas”, “Matéria de Poesia”, por exemplo, ainda tenho. Há várias edições primorosas, sobretudo os ilustrados por sua filha, a artista plástica Marta Barros (a antiga edição numa caixa com folhas soltas, da Planeta, é lindíssima). Mas não sosseguei enquanto não comprei o “Poesia Completa”, que tem, em um único volume, 19 livros “adultos” e quatro, “infantis”.

Manoel é festa no quintal e no jardim; Manoel entra da terra ao coração em fração de segundos; Manoel não se entende, se incorpora na alma. Sua linguagem transforma a palavra no que ele quer. Pra mim, Manoel é essencial.

“As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças.” (Uma didática da invenção, VI – SP: LeYa, 2013. p. 276).

Poesia Reunida – Adélia Prado

Mais um livro de poesia completa (adoro!). Adélia me inspira com seu lirismo e sua humanidade. É uma grande referência para mim. Poeta universal a partir de Divinópolis e de toda a sua mineirice. “Lírica, bíblica, existencial”, como afirmou um dia o grande Carlos Drummond de Andrade.

“Uma ocasião,meu pai pintou a casa todade alaranjado brilhante.Por muito tempo moramos numa casa,como ele mesmo dizia,constantemente amanhecendo. (Impressionista. RJ: Record, 2019. p. 34)

Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez

Lembro-me de ter lido esse livro quando cursava a graduação em Jornalismo e de ter ficado absolutamente encantada. Como contar bem uma história; como prender o leitor num sem-fim de imagens e levá-lo a percorrer um caminho fabuloso, junto a gerações de Buendía, num universo fantástico chamado Macondo. “Gabo” nos ilude e enreda desde o começo em seu labirinto de realismo mágico. Imperdível.

“Amanheceu morta na quinta-feira santa. Na última vez em que tinham ajudado Úrsula a fazer as contas de sua idade, nos tempos da companhia bananeira, calcularam entre cento e quinze e cento e vinte e dois anos. Foi enterrada numa caixinha pouco maior que a cestinha em que Aureliano tinha sido levado, e muito pouca gente assistiu ao enterro, em parte porque não eram muitos os que se lembravam dela, e em parte porque naquele meio-dia fez tanto calor que os pássaros desorientados se esfacelavam feito perdigotos contra as paredes e rompiam as telas metálicas das janelas para morrer nos quartos”. (RJ: Record, 2016, p. 369)

Homens imprudentemente poéticos – Valter Hugo Mãe

O título em si já é um mundo. Num Japão antigo, uma história que envolve temas difíceis, sob uma ótima absolutamente delicada. O tipo de livro pra ler como oração, saboreando com calma, refletindo. Valter Hugo Mãe, com suas profundidades sensíveis, sempre nos mostra como a escrita pode atingir o sublime.

“O oleiro pedia perdão pelo susto aos aldeões. A sua vontade queria apenas cuidar do mundo. Mas dormia apoquentado com a solidão e o crescente tamanho do amor. O amor, na perda, era tentacular. Uma criatura a expandir, gorda, gorda, gorda. Até tudo em volta ser esse amor sem mais correspondência, sem companhia, sem cura. Que humilhante a solidão do amante. O oleiro disse assim: que humilhante o coração que sobra”. (SP: Globo, 2016. p. 115)

Despertar os leões – Ayelet Gundar-Goshen

Fui apresentada ao trabalho dessa incrível autora israelense pelo escritor, professor e bibliófilo, Paulo Venturelli. Há pouco mais de um mês, ele me dizia: “O livro mais arrasador que li na vida. Supera Dostoiévski”. Como ignorar tal indicação? No mesmo dia, comprei o livro, lançado este ano pela Todavia, e o li logo que chegou em casa.

Uma história intrigante, que não conseguia parar de ler. Um suspense fluente, pontilhado de poesia e cheio de dilemas morais, que nos tira do prumo. Uma história não maniqueísta, capaz de nos causar empatia mesmo em situações-limite, absolutamente aterrorizantes. Cai muito bem hoje, pra conseguir perceber a complexidade humana, nesse mundo de ideias tão estanques.

“Naquela noite, Eitan continuou com seu trabalho e Sirkit com o dela. O constrangimento confiscou deles o assobio. Mas passaram-se três noites e a melodia voltou. Baixinho, anunciando a si mesma. Às vezes com ela, às vezes com ele. O assobio veio e fluiu entre eles sem que o mencionassem, sem que lhe dedicassem uma atenção que poderia extingui-lo. Não com um sorriso, não por proximidade. Simplesmente porque é difícil odiar tanto por tanto tempo seguido”. (SP: Todavia, 2020. p. 111)

Sobre Jaqueline Conte

Jaqueline Conte é jornalista, poeta, pesquisadora e escritora de literatura infantil e juvenil. Doutoranda em Materialidades da Literatura pela Universidade de Coimbra. Mestra em Estudos de Linguagens pela UTFPR, especialista em Economia Criativa e Colaborativa (ESPM); em Produção e Gestão Editorial Multiplataforma (PUC-PR); em Marketing e Publicidade (ISPG); e em Fotografia – Discurso Fotográfico (UEL). Jornalista com 20 anos de atuação em mídia impressa, agências de comunicação e comunicação pública. É integrante do núcleo gestor do coletivo de autores “Era uma vez”, que atua na formação de leitores e na disseminação da literatura infantil e juvenil produzida em Curitiba. Autora do livro de poemas Na casa amarela do vovô, Joaninja come jujubas (MercadoLivros, 2016) e das obras Passarinho às Oito e Pouco (Insight, 2019) e Os Jornais de Geraldine (Arte & Letra, 2019).