O artista visual, ilustrador e escritor Fabiano Vianna compartilha com o Sesc Paraná as suas leituras afetivas. São livros imprescindíveis em sua biblioteca e que ajudaram a moldá-lo como leitor e artista, em suas múltiplas linguagens.
Conhecido pelo seu trabalho como dentro do movimento urban sketchers em Curitiba, Vianna é leitor voraz e seu primeiro livro de contos está em fase de preparação.
Seu trabalho como contista lhe rendeu o prêmio Ipê Amarelo, foi selecionando pelo edital emergencial de cultura do Itaú Cultural, na categoria literatura, integra a coletânea Offi-Flip 2020, e esteve entre os 50 finalistas do projeto Retratos da Quarentena, idealizado pelas editoras Dublinense e Elefante.
Leia abaixo as cinco indicações literárias de Fabiano Vianna
As Cidades Invisíveis – Italo Calvino
Livro responsável por eu não ter desistido da faculdade de arquitetura e urbanismo. Em 1995, eu andava meio sacudo e desiludido com a faculdade, quando meu amigo Humberto Mezzadri apareceu com o As Cidades Invisíveis e me disse: “Cara, este aqui é o maior projeto de arquitetura e urbanismo já feito. Leia-o e depois resolva se realmente quer trancar o curso.” Dito e feito: redescobri minha paixão pelas cidades. De quebra, pela figura do flâneur e do contador de histórias. Na verdade, eu sinto que a maneira de apreciar esta obra se modifica com o tempo, a cada época que leio, percebo novas nuances. É aquele tipo de leitura que nunca termina, mais ou menos como o O Livro de Areia, do Jorge Luis Borges. Afinal, cidades são mutantes e labirínticas. Como diria Chico Science: “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar.”. Ou ainda, o Siba: “Toda vez que dou um passo o mundo sai do lugar.”. Acho que é por aí. Um tempo depois, meu amigo Humberto me presenteou com um pacote de outros livros do Calvino. Eu hesitei em aceitar o presente, pois sabia o quanto eram importantes para ele. Um tempo depois, numa visita a seu escritório, deparei-me com todos eles, novinhos, na estante. Heheh Isso parece até um conto do Borges, mas estamos falando do Calvino. Ah, e eu continuei na faculdade, afinal.
Noites brancas – Fiódor Dostoiévski
Sou fascinado pela história deste livro. O sonhador remete-me novamente ao sujeito que viaja na própria cidade. O mesmo flâneur, ou Marco Polo, que eu tenho tanto gosto e me identifico. Só que neste caso, um rapaz solitário, que acaba por criar laços com as próprias construções da cidade (no caso, literalmente, porque elas conversam com ele!), antes de finalmente se encontrar com a mulher chamada Nastienka numa ponte de São Petersburgo. Acho maravilhosa a maneira como Dostoiévski o descreve. Relatos e mais relatos que não levam a uma imagem nítida. O rosto é um borrão. As definições, contraditórias. A todo instante você é jogado para fora da ponte e cai num abismo que nunca chega. O dia que nunca cessa, noite branca. Páginas e mais páginas para tentar desenhar um rosto, entender as motivações e o que resta são alguns minutos de encanto, antes dele saber que o fim do flerte está próximo. “Meu Deus! Um minuto inteiro de deleite! Por acaso isso não basta para toda uma vida humana?…” Maravilhoso!
Comendo bolacha maria no dia de são nunca – Manoel Carlos Karam
Como escreveu Valêncio Xavier na orelha deste livro, todos os livros do Karam contam a mesma história. Você pode abrir este em uma página aleatória e depois continuar numa outra do Cebola, ou Sujeito Oculto, etc. Karam é mestre em escrever sobre o nada. Extrai o sumo de circunstâncias cotidianas de uma maneira única. Isso me atrai. O jogo de construção da linguagem, a criatividade imensa. Este livro já vale apenas pela troca de socos entre um detetive e um policial, dentro de um elevador, em “Um ovo”, onde nenhum dos socos funciona corretamente. Por não fazerem efeito, eles o trocam durante toda a decida até o térreo e nada acontece. As histórias são sempre criadas e desfeitas, num balé onde criador, obra e cidade se mesclam – em uma pletora de falas que remetem a um álbum de figurinhas de figurinhas intermináveis. É uma coleção que nunca termina. Se prestar atenção na figurinha repetida, você descobre que ela é ligeiramente diferente da figurinha parecida da outra página.
A Peça intocada – Luci Collin
Este livro é muito inspirador. Luci percorre diversos tipos de línguas e linguagens. É como se cada conto tivesse sido pensado numa estética própria. Este livro é um bambuzal de vozes em eco. Uma delicada filigrana costurada por histórias que se superpõem num engenhoso e fantástico Metaesquema. Uma vez ouvi a Luci dizer que para escrever um livro de contos é preciso muita criatividade. Mais do que um romance. Eu concordo. Por fim, essa multiplicidade ganha ainda mais força com as ilustrações, na edição da Editora Arte e Letra, no início de cada conto. São 15 mãos que tocam 15 peças do jogo de xadrez, sendo que a 16ª é o rei tombado sem a mão que o abate. O imponderável opera sobre a ótica destes jogadores, como se o escritor estivesse a serviço das palavras, e não o contrário.
O Mez da grippe e outros livros – Valêncio Xavier
Lembro a primeira vez que vi Valêncio ao vivo, na ocasião que comprei o livro, numa palestra em grande livraria da cidade. Sentei numas cadeiras para assistir a palestra, quando entre uns relatos e outros, leu uma das novelas – Mistério do menino morto. Fiquei impressionado quando Valêncio teve que abrir o livro e mostrar a imagem de uma fotografia durante a leitura. Na verdade, era uma não-imagem – composta de alguns números e que, representava a ausência de uma fotografia, quando falha ao tentar eternizar um momento. Achei fantástico. Um autor que utiliza o recurso da imagem como instrumento para contar histórias. Naquela noite, deparei-me com o Frankenstein das araucárias. O homem que criou uma literatura única, composta de colagens de notícias, imagens e textos. Narrativa-cinema, novelas-colagens. E ensina que nem mesmo uma imagem consegue dar conta do conjunto inapreensível dos instantes vividos. Somos todos fragmentados como nosso querido monstro Frank – que elege o mistério da vida e da morte como grande substrato da busca pelo real.
Buuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu*
*Ops, isso foi resultado de um “toque desproposital (ou sobrenatural?)” sobre o teclado. Deixei o conto descansando, fui pegar um café e quando voltei estava assim. Resolvi, manter. “Buu!” não é como os fantasmas fazem para “assustar” nas HQs? Bem, que eu saiba, Valêncio adorava uma HQ…
Sobre Fabiano Vianna
Nasceu em Curitiba, Julho de 1975. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela PUCPR em 2001. Trabalha como designer e ilustrador na Ctrl S Comunicação. Lançou em 2009 uma revista de literatura pulp chamada LAMA – de suspense e terror e a reedição da histórica LODO (de Florestano Boaventura). Iniciou em 2017 um projeto de desenhar cenas de terreiro e entidades da Umbanda, chamado Sketchmacumba. Faz desenhos in loco durante as giras, registrando o visível e o invisível. Coautor do livro Sketchers do Brasil e integrante do movimento Urban Sketchers. Participou das exposições coletivas de arte: Coletivo de Arte –Traços Curitibanos, Retrospectiva Urban Sketchers Curitiba, Volta ao Centro Histórico em 80 dias. Foi Selecionado nos editais literários Off-Flip, Itaú Cultural e Editora Ipê Amarelo – 2020. Finalista no edital Crônicas da Quarentena, da editora Dublinense.