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Paraná

Curitiba: cidade exílio de Dalton Trevisan

Silvia Bocchese de Lima

Dalton Trevisan tinha uma Gotham para chamar de sua. Por muito tempo, foi no encontro das Ruas Ubaldino do Amaral com a Amintas de Barros, no Alto da XV, em Curitiba, que o vampiro se abrigou. 

Na capital paranaense – “a província, cárcere, lar” – nasceu, viveu, escreveu e morreu. Chegou a declarar, quase suplicar em seu polêmico conto Canção de Exílio, de 1984, publicado no O Estado de São Paulo, que Deus não permitisse que ele morresse por aqui. “Castigo bastante é viver em Curitiba | Morrer em Curitiba que não dá | Não permita Deus | A não ser bem longe daqui.”. 

O apelo não foi atendido. Aos 99 anos, em 9 de dezembro de 2024, ele faleceu onde não queria, muito embora tenha dito que “Curitiba que é cidade boa para um sujeito morrer, porque o cemitério tem as ruas silenciosas e quietas”.

Ainda que já seja nome de ruas e travessas em Cascavel, Fazenda Rio Grande, Osasco,  Pato Branco e São Bernardo do Campo, que nenhum “vereador gaiato” da capital dê a algum logradouro local o nome de Dalton Trevisan. Típica homenagem que ele não aceitou em vida, como a do título de Cidadão Benemérito do Paraná, concedida em maio de 1970 – a segunda personalidade do Paraná a recebê-la – desculpando-se pela ausência com uma breve mensagem dirigida ao presidente da assembleia.

Apesar de aprisioná-lo, Dalton era impregnado de Curitiba. Seus contos refletem a cidade que ele observava. Prova disso é o  bilhete de Manuel Bandeira, escrito em 1953, após ler Guia Histórico de Curitiba: “O seu guia está uma delícia e dá uma grande gana de conhecer a Curitiba que você viaja”. 

Dalton não poupava a sua paisagem natal e de exílio. Seus textos traziam a Igreja da Ordem, a Academia Paranaense de Letras, o Rio Belém, a milagrosa Maria Bueno, o sabiá, o pinheiro, a Ponte Preta, mas a cidade que o contista gostava de retratar era aquela que o turista não via. Em Minha Cidade, publicada na sexta edição de Joaquim, em 1946, chegou a dizer que a Curitiba que ele cantava era a dos “amores escusos no Passeio Público”; aquela que não é do céu azul; a das domésticas que conversam se vingando da tirania das patroas; a capital da humilde zona da Estação; dos cafajestes, cafetinas e fanchones; dos varredores de rua da madrugada; do relógio da Praça Osório que “indica fielmente a hora errada”; das orgias sabatinas do Operário; da Curitiba do registro policial do Diário da Tarde; das noites vermelhas da agitação popular, e das 1.002 lojas da Rua Riachuelo.

Dalton transformou o exílio em literatura e a cidade, em eternidade. Encontrou descanso onde nunca quis estar: nas ruas silenciosas e quietas do cemitério da sua Gotham.

Semana Literária

O Sesc PR celebra a vida e a obra de Dalton Trevisan na 44ª edição do maior evento literário do Paraná – a Semana Literária e Feira do Livro – que ocorrerá de maneira simultânea, de 13 a 17 de agosto, em 27 cidades do estado. Como Dalton teve Curitiba como sua cidade inspiração, a temática abordada neste ano será Cidades Literárias.

Em breve, no site do evento serão divulgados os primeiros nomes dos autores convidados.