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Leituras afetivas: cinco livros por Otto Leopoldo Winck

O Sesc Paraná conversou com o escritor e professor Otto Leopoldo Winck – autor de Quem fim levaram todas as flores, Jaboc – vencedor do Prêmio Academia de Letras da Bahia, entre outros –, que compartilhou algumas das leituras que ajudaram a moldá-lo como leitor e autor.

Leia abaixo as cinco indicações literárias de Otto Leopoldo Winck

Não é tarefa fácil selecionar o núcleo duro de meu paideuma pessoal… Mas aí vai uma lista de livros que me abalaram até os alicerces quando eu começava minha jornada de leitor, livros estes que foram lidos quase como oráculos entre os 15 e os 18 anos. O escritor que quero ser deve muito a essas leituras e aos efeitos “danosos” que elas produziram em meu espírito.

A Idade da razãoSartre

Comprei esse livro no extinto sebo Feira dos Livros Usados, na Emiliano Perneta. Era uma entrada estreita que conduzia a longos e sombrios corredores coalhados de livros – sucedâneo perfeito do paraíso borgeano. Um dia me deparo com este romance, na antiga coleção de clássicos da Abril Cultural, capa dura, azul. Leio na primeira página os dados biográficos do autor, de quem mal ouvira falar, e resolvo levá-lo. Em três a quatro dias mergulho no drama de Mathieu, o protagonista. Numa Paris às vésperas da eclosão da Segunda Guerra, com a companheira grávida, o jovem professor de filosofia precisa levantar a grana para o aborto. Me surpreendeu o quanto essa história me pareceu atual: jazz, cocaína, uma overdose, bebedeiras… Se ainda sou um tanto rebelde, devo a esse escritor que nunca deixou de meter o dedo na ferida do status quo ocidental.

Encontro marcadoFernando Sabino

Conheci Fernando Sabino primeiramente como cronista. Depois de Rubem Braga, era o nosso maior cronista. Foi o Paulo Venturelli, meu professor de literatura do ensino médio, quem nos indicou, de sua autoria, O homem nu. Aí, no final do mesmo ano, de férias na praia, li este que é o seu maior romance: romance de geração, romance de formação, também uma espécie de retrato do artista quando jovem. Em poucos dias devorei o livro: a difícil transição para a fase a adulta de Eduardo Marciano e sua decisão de se tornar escritor como que antecipavam, confusamente, minha “formação”. Os pileques, as conversas literárias, aquele universo todo me absorveu. Eu só sei que queria aquela vida pra mim. Doce ilusão dos meus verdes anos.

Angústia Graciliano Ramos

Pra mim, o melhor livro do velho Graça não é São Bernardo ou Vidas secas. É este. Há um quê de Dostoiévski nesta obra, só que em vez das noites brancas e do frio siberiano nos deparamos com o calor escaldante de Maceió. O protagonista, Luís da Silva, é um intelectual pequeno burguês sem muitas perspectivas, empurrando com a barriga uma vidinha medíocre. Aí rola um flerte com a vizinha, flerte que fica sério até que um belo dia ela resolve trocá-lo, com razão, por um sujeito melhor abonado. Um crime e um castigo (ainda que psicológico) coroam esse romance que eu li nos meus 16 anos. Gostei tanto que depois comprei as obras completas do Graciliano na velha Chignone da rua XV.

Educação sentimental Flaubert

Antes eu tinha lido Madame Bovary, com paixão, curiosidade e deslumbramento. Mas este me tocou mais fundo ainda. Em vez de uma cidadezinha provinciana, a capital do século XIX. Em vez de pequenos burgueses medíocres e conquistadores vulgares, intelectuais e artistas que queriam conquistar o mundo (embora igualmente medíocres). Li em menos de duas semanas, matando as aulas do terceirão e me refugiando na Biblioteca Pública. Quando flanava pelo centro o que eu via não eram as ruas da provinciana Curitiba dos anos 80, mas sim a Paris atravessada de barricadas da revolução de 1848. Não sei quem amei e odiei mais: se Emma ou a senhora Arnoux.

As Flores do mal – Baudelaire

Nenhum adolescente taciturno escapa imune ao encanto de Baudelaire. Topei com Flores das Flores do mal, uma seleção do livro homônimo traduzida por Guilherme de Almeida, no mesmo sebo da Emiliano mencionado acima. Fiquei embasbacado com esse estranho buquê de melancolia, tedium vitae. Pouco depois adquiri a tradução integral do Jamil Haddad, ainda antes da do Ivan Junqueira. Como um fiel com sua Bíblia, saía nas enregeladas madrugadas de então sobraçando esse livro maldito com a foto do poeta na capa, em cujo olhar detectava um misto de desprezo à vulgaridade e ódio ao burguês. Ainda hoje, quando me sinto relativamente feliz, volto a Flores do mal para beber do doce veneno de seu spleen.

Sobre Otto Leopoldo Winck

Doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), nasceu no Rio de Janeiro, capital. Depois de uma passagem por Porto Alegre, radicou-se em Curitiba. Em 2005 foi vencedor do prêmio da Academia de Letras da Bahia, com o romance Jaboc, publicado no ano seguinte pela editora Garamond. Em 2017 lançou pela Editora Appris o ensaio Minha pátria é minha língua: identidade e sistema literário na Galiza, resultado de sua pesquisa de doutorado, e no ano seguinte publicou um volume de versos, Cosmogonias, pela Kotter Editorial. Seu último romance, Que fim levaram todas as flores, saiu em 2019, numa parceria da Kotter com a Patuá. Leciona atualmente na PUCPR e no programa de pós-graduação stricto sensu da Uniandrade.