O projeto Leituras Afetivas tem compartilhados experiências literárias durante a quarentena. São olhares plurais e que ajudam a construir um grande mosaico de leituras.
O convidado de hoje é o escritor baiano Davi Boaventura, autor de Mônica vai jantar e dono de uma literatura visceral, capaz de colocar em xeque o bom mocismo e os lugares-comuns que acabam por operar no meio literário.
Leia abaixo as cinco indicações literárias de Davi Boaventura
Meio sol amarelo – Chimamanda Ngozi Adiche
Toda vez que eu penso no quão estúpidos somos por nos metermos em mais uma guerra, eu penso neste livro. No quanto ele nos diz para deixarmos de idiotice. Ele é forte, é intenso, é emocionante, mostra como todo ser humano carrega o carinho e também a crueldade dentro de si. E é uma história que te empurra para todos os lados. Comecei a ler em um momento difícil e eu, simplesmente, não conseguia parar de ler, só queria saber o que ia acontecer no próximo capítulo. A narração de Chimamanda é hipnótica.
Amora – Natalia Borges Polesso
Eu demorei três anos para começar a ler o Amora e, quando tirei o livro da estante, acabei lendo tudo em uma noite só, e olhe que eu nem sou lá um grande leitor de livro de contos. A sensibilidade de Natalia aqui é um negócio absolutamente desconcertante, como se ela tivesse vivido umas três encarnações e depois veio aqui para nos contar como é. Os textos vão se acumulando e você não para de se impressionar. Que bom que este livro foi escrito e lançado no Brasil. Quem sabe não nos dê alguma esperança.
On the road – Jack Kerouac
Este livro foi perdendo o apelo nos últimos anos e dá mesmo para se fazer uma série de críticas contra ele, mas este com certeza é o mais afetivo da lista. Porque eu o li pela primeira vez quando adolescente e continuei a reler de uma forma compulsiva, a ponto dele não sair mais da minha mochila há pelo menos uns dez anos. O livro me marcou tanto que, em 2019, terminei andando de ônibus de um lado para outro do país até me estabelecer em Curitiba com minha namorada, e vai saber se não vou me meter em outra viagem dessas um dia. Para mim, acho que a chave dele está em um ponto que poucas resenhas abordaram até agora: ele não é um livro sobre a paixão pela estrada, ele é um livro sobre alguém apaixonado pela paixão e que, em algum momento, precisa entender como ser plateia do protagonismo dos outros nunca vai ser suficiente para vida nenhuma.
Um copo de cólera – Raduan Nassar
Esse livro é para rasgar, para mergulhar de cabeça, perder o fôlego, dar risada, sofrer, tudo junto e tudo misturado. Começa aparentemente simples e de repente você vai sendo tragado por um ritmo impactante e, ao mesmo tempo, complexo. Junto com o filme Quem tem medo de Virgínia Woolf?, esta é com certeza uma das principais referências na minha literatura mais recente – ainda que não chegue nem perto da qualidade vista aqui –, pelo encadeamento de frases, pela tensão, pelo tema, por ser tão real, algo distante e próximo, bonito e feio, quente e frio, uma avalanche. Deus queira que Raduan esteja guardando uns vinte romances inéditos lá na fazenda dele.
Homens elegantes – Samir Machado de Machado
Esse é um dos livros mais divertidos lançados no Brasil nos últimos vinte anos. É divertido, é bem escrito, é complexo, é inteligente, atravessa o oceano Atlântico com uma destreza maravilhosa. Capa e espada dos melhores. Samir já tinha cometido o ótimo Quatro soldados e este veio ainda melhor. Li logo quando saiu, morando em Porto Alegre, e eu e vários amigos não parávamos de comentar sobre. Sem falar que é um livro com o melhor nome possível para um vilão e ainda traz excelentes cenas românticas. Nem parece que tem quase seiscentas páginas, devo ter lido em uns três ou quatro dias, se não me falha a memória. É cinemão impresso em papel pólen.
Sobre Davi Boaventura
Davi Boaventura é doutor em Escrita Criativa pela PUCRS e jornalista pela UFBA. Escreveu Talvez não tenha criança no céu (2012, Virgiliae) e Mônica vai jantar (2019, Não Editora), além de ter publicado vários contos em antologias e revistas. Trabalha hoje com tradução, leitura crítica e fotografia. Nasceu em Salvador, em 1986, e reside em Curitiba.