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Literatura em casa
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Leituras afetivas: cinco livros por Otavio Linhares

O Sesc Paraná Conversou com o escritor curitibano Otávio Linhares, uma das vozes mais inventivas da literatura paranaense. O autor de O Cão mentecapto compartilhou conosco algumas das leituras que ajudaram a moldá-lo como leitor e, claro, como escritor.

Leia abaixo as cinco indicações literárias de Otavio Linhares

Coleção Vagalume – Vários Autores

Minha relação com os livros começou em casa desde muito cedo. Eu tinha cinco anos e minha mãe, Dona Josi Ane, que lia bastante, sempre me colocava pra ler com ela. Era uma devoradora de livros. Já o meu pai, Seu Levi, era vendedor de livros. Então, o acesso à leitura sempre foi algo muito prático e fácil para nós. Os livros estavam sempre por aqui e por ali e minha mãe insistiu pra que eu aprendesse a ler e a escrever em casa, antes de começar o período escolar. E ela escolheu os livros dessa coleção para lermos juntos. Acho que além da relação afetiva que se estabeleceu com a leitura e com a literatura, o que mais me marcou nessa coleção foi a união entre mãe e filho possibilitada pela literatura. Tenho muito carinho por esses livros até hoje e, quando minha filha tiver a mesma idade que eu tinha nessa época, vou lê-los pra ela também.

Trilogia Suja de Havana – Pedro Juán Gutiérrez

Até hoje, vez ou outra, releio o último capítulo desse livro. Porque me identifico demais com aquele velho boxer e, porque, de alguma forma, tem muito tesão envolvido naquelas páginas. . No começo, quando comecei a escrever com o intuito de publicar e ser lido, era como se o autor sussurrasse isso pra mim. “Não desperdice o tempo das pessoas com essas porcarias!”. Ele dizia de algumas coisas que eu escrevia e que acabei engavetando. Ele tem essa força, como uma tempestade caribenha, que me ajudou a dar os primeiros passos no fazer literário.

Enquanto Agonizo – William Faulkner

Durante muito tempo eu quis ser o Faulkner. Seus escritos foram os que mais me influenciaram por seu caráter existencial, psicológico e interior. Ficava fascinado com a estrutura narrativa e linguística de seus livros e, principalmente, com as vozes de suas personagens, com o conteúdo de suas falas e a humanidade transbordante de seus pensamentos. Quando li o primeiro capítulo desse livro, uma cena de filme foi se formando na minha imaginação e aquela casa ao fundo, dos Bundren, de repente passou a ser a minha casa, a casa que eu sempre imaginei ter sido a casa da infância da minha mãe, a casa da foto com todos os irmãos dela, e a vó, e o vô, e a varanda de piso vermelho, encerada. A casa marrom, lá embaixo, isolada na campina, desmoronando. Nunca mais esqueci essa cena.

O Guardador de Rebanhos – Alberto Caeiro

Levei 25 anos pra abrir meu primeiro livro do Fernando Pessoa. Não havia lido nada dele até então. Não sei de onde saiu isso, mas eu tinha receio, medo, de mexer naqueles escritos. Era como se soubesse que ali estava uma pedra fundamental, uma viagem interior sem volta. E de fato, o que eu mais temia acabou acontecendo. O Guardador de Rebanhos me arrebatou. Foi logo que comecei a estudar teatro e muitas questões existenciais estavam rondando a minha cabeça naquele momento. Até hoje me emociono ao lê-lo. É como se ele narrasse a minha intimidade mais obscura e daemoníaca. Et in arcadia ego sun. O canto VIII carrega em si, todo ele, a minha fé. Considero este o texto mais belo já escrito em língua portuguesa.

A Idade das Luzes – Arthur Franco

Nas palavras do autor: “Este não é, definitivamente, um livro convencional. Não tem capítulos, sequer um enredo elaborado ou uma bela retórica perfumando a leitura. Sua proposta é outra. Não pretende ser mais que um documento, se não histórico pelo menos jornalístico. Suas revelações, encaradas com a devida seriedade, revolucionam todo pensamento humano e o ensino convencional”. Esse livro que me caiu no colo na faculdade de História. Chegou até mim através de uma grande amiga como que por acaso. Só que acasos assim não acontecem. Acho que a melhor coisa a se dizer sobre ele é que precisamos lê-lo. Não consigo dizer nada sobre esse livro, apenas que merece a nossa atenção.

Sobre Otavio Linhares

Otavio Linhares é natural de Curitiba e tem 42 anos. Com formação em Filosofia, História e Artes Cênicas, já publicou três livros: Pancrácio (2013), O Esculpidor de Nuvens (2015) e O Cão Mentecapto (2017).